Exposição em Madri destaca os agudás, brasileiros que fizeram o caminho de retorno à África

Exposição em Madri destaca os agudás, brasileiros que fizeram o caminho de retorno à África

RFI Brasil
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A mostra “Retornados: Uma história dos baianos na África” é de autoria do fotógrafo Enrique Ambrosio e conta também com a exposição de outras obras, como originais de Pierre Verger.

Por Ana Beatriz Farias, correspondente da RFI em Madri

Em pouco tempo de conversa com Enrique Ambrosio já se percebe que o fotógrafo espanhol é um apaixonado pelo Brasil. Ele viveu oito anos em Salvador e três em Recife, cidades onde atuou como diretor de diferentes empresas. Enrique se aposentou desta função há um ano, quando decidiu devolver ao Brasil, em imagens, “um pouco do carinho que havia recebido”, como conta à RFI.

A partir deste anseio, ele reuniu fotos feitas ao longo de um processo de pesquisa e imersão na realidade afro-brasileira e montou a exposição "Retornados: Uma história dos baianos na África". Em cartaz na Casa do Brasil em Madri, a mostra é fruto de um percurso traçado em busca de compreender a forte conexão entre a Bahia e a África. Foi este interesse que levou Enrique a conhecer a história dos agudás, como são chamados os brasileiros que retornaram ao golfo da Guiné, especialmente ao Benim.

“Já comecei a conhecer a história dos agudás com os amigos brasileiros baianos que tinham em Salvador. E fui estudando muito, lendo muitas coisas. Fui à África e percebi que eram os dois lados do ‘rio Atlântico’, por falar de alguma maneira. A beira direita e a beira esquerda”, conta o espanhol, referindo-se à conexão entre o que se vive dos lados opostos do oceano.

Na exposição "Retornados", esta pesquisa imagética é representada em cores, beleza e africanidade. Quem visita a mostra pode perceber com facilidade a quantidade de semelhanças que há entre Salvador e diferentes localidades do Benim que estão representadas nas obras. “A arquitetura, a forma de viver, a música e a religiosidade” foram só alguns dos campos em que Ambrosio descobriu características comuns.

 Na trilha de Verger

O caminho sugerido pela exposição ajuda a contar uma história de ida e volta, percurso que já tinha sido visitado pelo fotógrafo Pierre Verger, grande inspiração de Ambrosio e uma das maiores referências no estudo da religiosidade e da cultura dos agudás. Inclusive, na mostra do espanhol estão algumas das obras originais do antropólogo e fotógrafo francês cedidas pela Fundação Pierre Verger.

Enrique Ambrosio explica que o fato de Verger ter um olhar de estrangeiro sobre as belezas afro-brasileiras facilitou que ele se identificasse com a obra do francês. “Ele era gringo também. De qualquer jeito, para mim, para compreender um pouco tudo isto, talvez o olhar [dele] de gringo também ajuda. Eu visitava frequentemente a Fundação, vi todos os museus, todas as histórias, todas as fotos”, relembra.

“Ele estudou muito o candomblé e eu também estudei muito o candomblé, mas eu não quero fazer uma comparação. O Pierre Verger é um mestre, foi meu guia e eu segui seus passos”, comenta o fotógrafo espanhol que diz não ter a ambição de contar “a história”, mas “uma história”, a qual ele mesmo pôde presenciar e vivenciar. 

Encontros e reencontros

O antropólogo baiano Ronald Muzzangue, que vive em Madri, foi prestigiar a "Retornados" e pôde viver um reencontro duplo. Com a obra de Pierre Verger, de quem é especialmente fã, e com sua terra natal.

“A exposição me levou naquele lugar em que nasci. Me levou às ruas de Salvador, ao cheiro da comida, à dança, à religiosidade. Como um homem negro candomblecista e iniciado a Xangô, o mesmo orixá de Pierre Verger, eu me vi naquele lugar. É muito emocionante para mim e eu acho que para todos os baianos negros que venham ver essa exposição de Enrique Ambrosio”, relata emocionado.

“Não ao racismo”

Depois de proporcionar uma verdadeira viagem entre Brasil e África, a exposição se encerra com uma seção dedicada a um clamor pelo fim do racismo. No ambiente, estão, lado a lado, uma foto cedida por Ludmila, jogadora de futebol brasileira que atua no Atlético de Madri, e uma foto feita por Enrique Ambrósio de um garoto jogando bola. A atleta prestigiou a mostra e se demonstrou honrada em poder representar uma causa tão importante.

“Eu sou uma pessoa negra que saiu da favela e hoje eu estou aqui na Espanha, graças a Deus. Tenho uma imagem minha aqui para todo mundo ver e é muito importante que a gente esteja na luta, que vai ser diária. Realmente nós não vamos nos calar e hoje a gente está podendo falar, a gente está podendo brigar e eu acho que a gente tem que aproveitar. Porque estão vindo crianças que necessitam da gente para essa luta, para que elas no futuro não sofram tanto como agora”, defende a jogadora.

A exposição "Retornados: Uma história dos baianos na África" está em cartaz na Casa do Brasil em Madri, um espaço dedicado à difusão da cultura e da língua brasileiras, mas que também é aberto a acolher manifestações culturais do mundo inteiro, como explica o diretor do espaço, Cássio Romano.

Segundo ele, “logicamente que temos que difundir a nossa do Brasil, mas sempre estando abertos a outras nacionalidades”. A ideia é que não seja formado um “gueto cultural”, mas um ambiente que abrange todos os tipos de arte e todas as nacionalidades, já que “a cultura é universal”, destaca Romano.