"É dança e é luta", diz mestre que ajudou a difundir a capoeira no mundo, homenageado em Salvador

"É dança e é luta", diz mestre que ajudou a difundir a capoeira no mundo, homenageado em Salvador

RFI Brasil
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A quinta edição do Rede Capoeira, evento nacional para a discussão do futuro da capoeira no Brasil e no mundo, foi aberto nesta quarta-feira (24) em Salvador. A edição que vai até sábado (27) tem entre os participantes a Ministra da Cultura, Margareth Menezes e terá homenagens a 14 mestres octogenários.  

Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York

Entre os homenageados na edição de 2024, organizada pelo projeto Mandinga, estão dois mestres radicados nos Estados Unidos: mestre Acordeon de 80 anos, que vive no Novo México e mestre João Grande, hoje com 92 anos, residente em Nova York, que é considerado o mais velho mestre de capoeira do mundo.

Nascido em Itagi na Bahia no ano de 1933, João descobriu a capoeira de Angola aos 10 anos, mas só arriscou os primeiros movimentos aos 20, quando se juntou ao movimento Corta Capim.

Os famosos mestres João Pequeno e Barbosa, foram seus primeiros professores e o apresentaram a outra lenda: mestre Pastinha.

Mestre Pastinha abriu a primeira Escola de Capoeira Angola de Salvador em 1941, lugar dedicado a preservar e dar continuidade à longa tradição da Capoeira Angola como caminho de autoconhecimento e domínio.

João conta que foi Pastinha quem disse que a capoeira seria o melhor para ele. "Eu fiquei com o João Pequeno, treinando o tempo todo. Depois eu fui com o mestre Pastinha. Saí de lá e fui para o Cardeal Pequeno, em Brota", conta mestre João Grande.

Mas ele não vivia da dança, trabalhava na construção civil. Até que decidiu fazer shows folclóricos e ingressou no Viva Bahia, o pioneiro grupo folclórico de Emília Biancardi, e viajou para a Europa e Oriente Médio, na década de 1970.

Antes disso, em 1966, foi à África com mestre Pastinha participar do Festival de Artes Negras de Dakar, no Senegal.

"Foi a minha primeira viagem internacional", diz João. "Eu trabalhava de construção civil, nas docas, essas coisas enquanto eu estava na Bahia. Quando eu viajei com a Emília, ela pagava, em 1974, passamos 9 meses viajando", relembra hoje o mestre internacionalmente reconhecido.

Embaixador da Capoeira Angola

Surgia o mestre João Grande, que, ao lado de João Pequeno, tornou-se o guardião da capoeira Angola, mesma expressão pela qual era conhecido mestre Pastinha.

Mestre João também conhecido como Grão-Mestre de Capoeira Angola é uma figura altamente respeitada no mundo da capoeira e recebeu inúmeros prêmios.

Entre eles, um Doutorado em Letras Humanas do Upsala College em 1995 e o National Heritage Fellowship pelo National Endowment for the Arts em 2005, que é um dos mais prestigiados prêmios para artistas dos Estados Unidos.

João Grande é uma espécie de embaixador da capoeira e no evento de Salvador ele contará suas experiências e o trabalho pela Internacionalização da Capoeira.

Tendo viajado extensivamente pela África, Europa e Ásia, pelo Brasil e pelos Estados Unidos, ele levou a prática a lugares inesperados como a Casa Branca.

Onde ele se apresentou acompanhado de velhos amigos, como João Pequeno, ao receber o National Heritage em 2001.

Conexão Bahía para Nova York

A mudança definitiva para Nova York aconteceu em 1992. "Viajei para fazer o batizado do mestre Jelon.  Ensinei capoeira lá na Bahia, depois arranjei a viagem para vir para aqui, para o festival de Atlanta, em 1966. Aí gostei e fiquei aqui", conta João. 

O mestre capoeirista diz que a escolha por Nova York foi obra divina. "É Deus que determina a pessoa! Deus me colocou aqui e eu vim", é sua justificativa.

Mestre João, levou a cultura da capoeira através do ensino da prática e chegou a levá-la ao cinema, fazendo uma demonstração no filme de 2005, "A intérprete", que tem Nicole Kidman como protagonista.

Em 2015, ele receberia das mãos do ministro Juca Ferreira a Ordem do Mérito Cultural, a mais alta condecoração brasileira no campo, em uma cerimônia no Palácio do Planalto com a presença da então presidente, Dilma Rousseff.

Hoje em dia, mesmo com a idade avançada, mestre João continua ensinando, de forma virtual, e praticando capoeira, aos 92 anos, completados no último dia 15 de janeiro.

Rede Capoeira

Nas palavras do organizador do evento, mestres como João Grande são história viva, donos da vivência e sabedoria de quem divulgou no mundo a cultura afro-brasileira, abrindo arduamente caminhos para os capoeiristas que vieram depois", diz mestre Sabiá, idealizador e coordenador do Rede Capoeira desde a sua primeira edição, há 40 anos.

Um dos maiores símbolos da cultura afro-brasileira, a capoeira precisa de seus mestres, para seguir viva.

"Eu pensei", diz mestre João Grande sobre a possibilidade de voltar definitivamente para a Bahia, mas conta que nunca deu vazão à vontade porque acredita que a capoeira perdeu força por lá.

Ele sente que na Europa e nos Estados Unidos "o pessoal dá mais valor" à prática.

Aproveitando a oportunidade de estar diante de um mestre, pergunto a João Grande se a capoeira é uma dança ou é uma luta.

"É dança e é luta!", diz ele, resumindo a dicotomia da batalha para manter a capoeira viva, uma tradição tão cara à cultura do nosso país.

E finaliza, dizendo que capoeira "é uma dança que não pode parar"!