“É cedo para saber se governo Lula conseguirá defender o meio ambiente”, diz geógrafo francês
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“Os solos diante dos desafios das mudanças climáticas: o caso do Brasil”, foi o tema de uma palestra do geógrafo francês Sylvain Souchaud na Universidade Popular de Bondy, na região parisiense. A transição ecológica no Nordeste brasileiro é o assunto de suas pesquisas mais recentes.
O pesquisador do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento da França (IRD) é especialista em América Latina. Ele já trabalhou no Brasil e tem vários livros e artigos publicados na França sobre o país, como “Brésil”, de 2018, ou “Géographie de l’atelier: Confection, migration, urbanisation à São Paulo”, de 2019 (Geografia da Oficina: confecção, migração e urbanização em São Paulo).
O geógrafo ressalta que o aquecimento global é uma das principais causas que degradam os solos brasileiros, mas não é a única. “Os modos de ocupação dos solos e da terra, os sistemas de produção agrícola também impactam bastante. É a combinação dessas causas que aceleram uma situação crítica tanto para a vegetação, como para os solos”, explica. O uso intensivo de agrotóxicos e a monocultura, como a da soja e cana de açúcar, são exemplos de modos de produção com impactos negativos para a terra.
Mas a agricultura não é a única afetada. A variabilidade da pluviometria impacta também os “sistemas urbanos”, com chuvas fortes e concentradas no Sul e Sudeste e secas no Norte e Nordeste, além da ocorrência de “secas-relâmpago, isto é, secas rápidas, que ocorrem de forma pontual, e que vão aumentar”, detalha.
Esse conjunto acelera a mudança do clima no Brasil, ampliando o semiárido brasileiro. Com o déficit hídrico acentuado, surgiu inclusive a primeira região de clima árido no país, descoberta recentemente no norte da Bahia, na fronteira com Pernambuco.
“Com a irregularidade das chuvas e o aumento das temperaturas, a pressão sobre as reservas hídricas é mais forte. Uma das consequências é a irregularidade da produção agrícola, com uma tendência de baixa dos rendimentos. Outras consequências são a proliferação de espécies mais daninhas para as culturas e a multiplicação dos incêndios, como estamos a observar agora no Chile”, salienta.
Agricultura X proteção do meio ambiente
O embate entre normas de proteção do meio ambiente e modos de produção agrícola intensiva foi mais uma vez evidenciado no recente protesto dos agricultores franceses que denunciaram o acordo União Europeia-Mercosul alegando uma concorrência desleal com produtos agrícolas brasileiros.
Sylvain Souchaud diz que um dos caminhos possíveis é “ajudar no desenvolvimento da agricultura orgânica, biológica”. Mas, segundo o geógrafo, esse “não foi o caminho escolhido pelo governo francês”, que cedeu à pressão e apoiou “o setor da agroindústria e do monocultivo”, em um contexto de eleições legislativas europeias e aumento dos discursos antiecológicos e antieuropeus no bloco europeu.
No Brasil, o governo Lula tem “tentado não reverter, mas diminuir a pressão sobre os ecossistemas, mas se opõe a grupos de pressão no Congresso, que são muito fortes”, avalia o pesquisador, em referência ao lobby do agronegócio. “É muito cedo para saber se o governo Lula vai conseguir defender mais a questão ambiental, mas é uma orientação que ele quer assumir”, conclui.