Em meio à guerra, como ficam as relações comerciais do Brasil com o Oriente Médio?

Em meio à guerra, como ficam as relações comerciais do Brasil com o Oriente Médio?

RFI Brasil
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Com parcerias comerciais importantes no Oriente Médio, incluindo uma agenda em ascensão com Israel nos últimos anos, o Brasil tem feito malabarismos diplomáticos para que o conflito na Faixa de Gaza não abale os negócios com a região. A esquerda tem pressionado o governo Lula a ser mais enfático nas críticas a Tel Aviv, mas o agronegócio pressiona no sentido contrário.

O Oriente Médio respondeu por 5,1% das exportações brasileiras em 2022, num total de US$ 17,2 bilhões, com balança comercial favorável a Brasília.

“Sem a menor dúvida, as relações comerciais pesam muito e a geopolítica tem uma grande importância no comércio exterior brasileiro. Não dá para escolher um lado”, aponta Paulo Ferracioli, professor de políticas de comércio exterior e de economia no FGV Management. “A população desses países é grande: a do Irã são 88 milhões de habitantes. A da Arábia Saudita, que as pessoas pensam que é um grande vazio, tem quase 40 milhões de habitantes. A entrada desses dois países no Brics vai facilitar muito os negócios do Brasil na região”, salienta.

Nos primeiros cinco meses deste ano, as vendas para os 22 membros da Liga Árabe subiram 11%, em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio). A pauta inclui majoritariamente produtos agrícolas.

Parceria comercial inédita com Israel

Durante os anos do governo de Jair Bolsonaro, próximo do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, as trocas com Israel atingiram níveis inéditos – o Brasil foi o principal fornecedor de petróleo do Estado hebreu, que foi também o sexto maior comprador da região de produtos agropecuários brasileiros.

Sob a gestão Lula, essa dinâmica desacelerou, com queda de 68% das exportações. Mesmo assim, no fim de agosto – um mês antes da eclosão do conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas –, os dois países formalizaram uma nova parceria comercial histórica. O Brasil se tornou o primeiro país a receber autorização para exportar carne de frango para Tel Aviv, sob os rigorosos padrões de produção kosher, as diretrizes alimentares que definem o que os judeus podem ou não consumir.

Israel é um dos maiores consumidores de carne de frango do mundo, com 42 quilos por pessoa por ano, conforme dados do Ministério da Agricultura de Israel. Para o Brasil, este acordo representa uma oportunidade para dar um salto no setor, podendo superar, pela primeira vez, a marca de 5 milhões de toneladas de frango exportados para o resto do mundo, segundo projeções da Associação Brasileira de Proteína Animal.

Antes da nova parceria, o Brasil já tinha vasta experiência na venda de alimentos com certificação halal, para os países muçulmanos.

“Não é de forma alguma do interesse do Brasil se afastar de Israel, com o qual nós estamos fazendo bons negócios na área de agroindústria, mas há muito mais do que isso. A tecnologia de Israel interessa tanto ao Brasil quanto à Arábia Saudita. Todos os países querem investimentos de Israel em produtos altamente tecnológicos”, afirma Ferracioli.

Preço do petróleo e impacto nos investimentos

Para além da pauta de exportações, analistas têm apontado que o principal impacto da guerra na Faixa de Gaza tende a ser o aumento do preço do petróleo no mercado internacional – principalmente se o conflito se alastrar pela região. A entrada do Irã, apoiador do Hamas, poderia resultar no endurecimento das sanções a Teerã pelos Estados Unidos e seus aliados.

“Se houver um aumento dos preços, os dos derivados de petróleo também subirão. O Brasil não vai quebrar por isso, mas vai sofrer uma alta de preços no mercado interno, que poderia impactar de forma bastante inconveniente a nossa inflação. Esse é um aspecto importante”, aponta o professor da FGV Management. “Eu não acredito que o Irã vá entrar no conflito, mas a incerteza é grande.”

Desde o início da guerra, em 7 de outubro, o barril de Brent já acumula alta de 6%, a US$ 86. Na semana passada, o Banco Mundial alertou que, no pior cenário de embargos aos produtores árabes pelos países aliados de Israel, a queda no fornecimento global poderia resultar em um aumento de até 75% do valor, atingindo US$ 150. No cenário mais moderado, chegaria a US$ 102 – com efeitos nefastos para a economia mundial, que ainda briga para conter a inflação pós-pandemia.

“A partir do momento em que há instabilidade na economia internacional, os investidores se retraem e o comércio é dificultado. Qualquer retração no comércio e nos investimentos internacionais vai ser muito inconveniente para o Brasil”, ressalta Ferracioli.