Técnicas de captura de CO2 contribuem para redução de emissões, mas geram desconfiança
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As técnicas de captura e armazenamento de carbono, conhecidas pela sigla em inglês CCS, aparecem como uma parte da solução para o mundo conseguir zerar o despejo de CO2 na atmosfera até meados do século e, assim, conter o aquecimento global. No entanto, o desenvolvimento dessas tecnologias pode surtir o efeito contrário: estimular setores como energia e indústria a prolongarem o uso de fontes fósseis, ao contrário do que recomenda a ciência.
Não à toa, o assunto recebeu grande impulso na última Conferência do Clima (COP28), nos Emirados Árabes – um dos maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo. A produção e a queima de combustíveis fósseis são responsáveis por mais de 70% das emissões mundiais de gases de efeito estufa.
Por isso, países com forte dependência dessas fontes apostam que a captura e o armazenamento permanente do CO2 no subsolo da Terra poderão compensar, ao menos em parte, o impacto negativo do petróleo, do gás e do carvão.
Existem diferentes métodos de CCSs – que envolvem uma cadeia complexa, em vias de amadurecimento. O carbono pode ser recolhido antes, durante ou depois de ser emitido – neste caso, é retirado do ar. Uma vez capturado, o gás é injetado a mais de 800 metros de profundidade.
Petroleiras, por exemplo, são capazes de captar o CO2 no momento da extração do óleo das reservas e até utilizá-lo para impulsionar o produto para a superfície, sem que o gás sequer saia do subsolo. Com isso, reduzem significativamente as emissões geradas no processo produtivo – mas o grande problema é que 80% das emissões do setor são decorrentes do consumo do petróleo.
O Brasil é um dos países mais avançados do mundo neste tema, com dois projetos-piloto, explica Heloisa Borges, diretora de estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
“Nós já injetamos CO2 em reservatórios de petróleo. A Petrobras faz isso há 10 anos”, indica. “Injetar carbono num reservatório hipersalino é uma coisa que a gente ainda precisa entender, para saber de fato o tamanho do potencial. Mas a gente sabe que, se a gente conseguir migrar para isso, a gente expandirá muito mais a nossa capacidade”, aponta.
Solução localizadaOs próprios cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima) admitem que será necessário ampliar a utilização das CCSs para as emissões das atividades mais difíceis de mitigar, como a construção civil.
“Quanto mais você insistir na agenda de carbonizar, mais você vai precisar de alternativas para descarbonizar. O CCS se insere nisso, e também na inexistência de fronteiras para a descarbonizações. Embora as soluções sejam locais, o resultado é global”, pondera Rodrigo Sluminsky, advogado e consultor em sustentabilidade da organização Laclima.
“Naturalmente que o Brasil tendo uma natureza vasta, pode descarbonizar de maneira muito própria que é pelas florestas. Se a gente conseguir cada vez mais voltar ao caminho da regeneração natural, é maravilhoso. O CCS é uma das alternativas muito boas para locais que têm a dificuldade que a gente não tem, como o Oriente Médio”, salienta.
Atualmente, cerca de 30 instalações realizam esses procedimentos pelo mundo, com uma capacidade de armazenamento de 40 milhões de toneladas de CO2. O número é insignificante, se comparado com as mais de 36 bilhões de toneladas despejadas a cada ano na atmosfera.
Mas especialistas do setor avaliam que a capacidade de armazenamento existente poderia cobrir o total de emissões durante 100 anos. Para isso, no entanto, ainda será preciso investimentos massivos para o desenvolvimento das tecnologias de captura.
“Só vai conseguir fazer com segurança e escala se tiver o financiamento e o recurso necessário. Como a gente vai conseguir investir tanto em tecnologia que garanta que não haverá vazamento no futuro, por exemplo?”, aponta Sluminsky.
RiscosPeri Dias, diretor de comunicação da organização ambientalista 350.org para a América Latina, teme que o mundo decida apostar em uma alternativa cuja eficácia a longo prazo ainda não foi comprovada.
“Essas tecnologias de captura de carbono podem ser promissoras, em algum sentido, mas elas ainda não são capazes de resolver a crise climática nem de longe. A gente ainda precisa desenvolvê-las muito mais, para que elas sejam minimamente eficientes na escala em que a gente precisa”, afirma. “A escala ainda é muito pequena e o custo, muito alto. O que a gente precisa visar é a eliminação dos combustíveis fósseis”, ressalta Dias.
Além dos eventuais riscos ambientais, outro aspecto ainda pouco conhecido é sobre a permanência do CO2 a longo prazo nos reservatórios subterrâneos. O escapamento do gás estocado colocaria em xeque o processo.
“Alguns padrões internacionais falam de um requisito de garantia de no mínimo 100 anos [de armazenamento]. Mas hoje, o que a gente vê nas pesquisas científicas é que muito antes disso o carbono se solidifica, se cristaliza”, indica Heloísa Borges, da EPE. “Nesse momento, você tem certeza que ele não sairá de lá, afinal ele deixou de ser um gás ou mesmo um líquido. Em algumas condições, isso acontece com 20 ou 30 anos. A gente precisa entender como monitorar esse processo.”