COP28: transição para saída dos fósseis no Brasil será debatida pela sociedade, diz Marina
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A 28ª Conferência do Clima de Dubai se encerrou nesta quarta-feira (13) com um acordo que, pela primeira vez em 30 anos de negociações climáticas, determina que o mundo coloque em andamento a “transição para o afastamento dos combustíveis fósseis”. O tratado acontece no mesmo dia em que, no Brasil, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realiza o maior leilão de exploração de petróleo da sua história – uma coincidência que voltou a colocar o país numa posição embaraçosa na conferência.
Lúcia Müzell, enviada especial da RFI Brasil a Dubai
Ao longo da COP28, o Brasil foi deixando mais clara a sua posição a favor da saída das energias fósseis, as principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa que aquecem o planeta. Em discurso na plenária da conferência, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, celebrou que todos os países tenham "assumido as responsabilidades” sobre o papel dessas energias na crise climática. A decisão, se implementada, estará alinhada com o objetivo de limitar o aquecimento do planeta em 1,5ºC, o objetivo mais ambicioso do acordo de Paris sobre o Clima.
"Nós trabalhamos para que países em desenvolvimento e países ricos sejam todos comprometidos com essa responsabilidade comum, porém ela é diferenciada. E, nesse caso, os países desenvolvidos devem, sim, assumir a dianteira desse processo e trabalhar para viabilizar os meios de implementação, tanto na agenda de mitigação quanto de adaptação”, frisou Marina.
Futuro dos projetos de petróleoQuestionada pela imprensa antes de deixar a COP, a ministra ressaltou que o governo “respeita as instituições” que, de maneira autônoma, avaliam a autorização de projetos como os leilões previstos pela ANP, mas também os estudos de prospecção de petróleo na Margem Equatorial do país.
"Esse é um debate que precisa ser feito dentro do Conselho Nacional de Política Energética, que considerará o que aqui foi aprovado em relação a uma trajetória que nos leve a retirar a nossa dependência, de todas as economias do mundo, dos combustíveis fósseis. É uma ação que deve ser pensada no contexto de países produtores e de países consumidores”, apontou. “Em relação à questão de oportunidade e conveniência da exploração de petróleo não só pelo Brasil, mas na relação com todos os produtores como todos os consumidores, é o debate que está sendo feito a partir de agora. Setor público e setor privado terão que traduzir o compromisso que aqui assumimos em suas ações e planejamentos”, afirmou Marina.
O Brasil se encaminha para se tornar o quarto maior produtor mundial do óleo e, já nos primeiros dias de COP28, a informação de que poderia aceitar o convite da Organização dos Países Exportadores de Petróleo ampliada (Opep+) abalou a credibilidade do país no tema, observa Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
“O ponto de virada do Brasil sobre combustíveis fósseis se deu a partir do momento em que ele recebeu o antiprêmio Fóssil do Dia, dado pela rede de organizações da sociedade civil CAN (Climate Action Network), justamente por conta do megaleilão e da posição do presidente Lula como país que pode entrar na Opep+. Isso foi uma vitória da sociedade civil, porque até ali o governo estava de fato defendendo posições mais desatualizadas”, comenta.
"Agora que essa sincronia com o nosso tempo foi alcançada, a gente espera que a política nacional também reflita isso. Temos muitas diretrizes do que esse nosso Plano de Transição vai ter que conter: desde oceanos até adaptação, que leve em conta a insegurança alimentar, além, é claro, da transição dos combustíveis fósseis para renováveis. Acho que temos um excelente roteiro e, no caso do Brasil, temos que transformá-lo num bom plano de investimentos”, explicou Unterstell.
Mundo prevê aumentos dos investimentos em petróleoTambém Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a maior rede de organizações ambientalistas do Brasil, avalia que o resultado da conferência deve levar não só o Brasil a questionar suas escolhas.
"Os mesmos países que estão aqui têm planos de aumentar em mais de 110% os investimentos e a extração de petróleo, gás, uso de carvão. Então não dá para assinar um papel aqui e fazer exatamente o oposto. O que vamos ter que cobrar daqui para a frente é que o que está sendo decidido aqui sobreviva no mundo real”, sublinha o ambientalista.
"O Brasil vai precisar fazer uma escolha: entrar na Opep ou ser líder da agenda. Não dá para ele querer ajudar a fazer crescer o clube do petróleo e também aumentar a responsabilidade do clima ao redor do mundo."
Financiamento será foco em 2024Para além da questão do petróleo, a delegação brasileira sai “satisfeita" da Conferência do Clima de Dubai, conforme o embaixador André Correa do Lago, negociador-chefe do país no evento.
"Os principais interesses do Brasil foram claramente incorporados no documento. Algumas das coisas que nós acreditávamos que pudessem demorar para serem adotadas foram de maneira mais rápida, a começar pelo fundo de perdas e danos e a fórmula que foi encontrada com relação aos combustíveis fósseis”, indica o diplomata. "Também acho que a crítica feita aos países desenvolvidos por não terem fornecido os recursos financeiros que se esperava ficou claríssima no documento”, destacou.
A próxima conferência ocorrerá em 2024 em Baku, no Azerbaijão, e terá como foco o financiamento para que todos os países sejam capazes de implementar a transição para uma economia de baixo carbono.
"São insuficientes, com certeza, os meios de implementação. Ainda não temos clareza sobre a tradução de uma transição justa, onde países desenvolvidos – na lógica do princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas – tomam a dianteira, mas consideramos que temos aqui as bases para fazer avançar”, sinalizou Marina Silva. "A partir de agora, não haverá mais como tergiversar. Agora é arregaçar as mangas e viabilizar os meios para que as ações aconteçam.”
O Balanço Global aprovado nesta quarta indica que as próximas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), – que deverão ser apresentadas pelos países em dois anos, na COP30 de Belém – devem estar alinhadas com a meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C até o fim deste século, conforme os níveis registados antes da Revolução Industrial. Encaminhar este alinhamento era a prioridade da delegação brasileira no evento.