"Natália Correia dialoga, reage e subverte a censura salazarista"
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O livro "O Vestíbulo do Impossível" de Natália Guerellus já se encontra nas livrarias francesas e percorre a obra de Natália Correia num plano social e político de uma mulher que escreve na segunda metade do século XX , cuja escrita vai emancipar o universo feminino. "Natália Correia foi a escritora mais censurada do regime salazarista", lembra a autora.
Poetisa, activista política e defensora dos direitos das mulheres, Natália Correia foi tudo isto e muito mais. Nasceu em 1923 na ilha de São Miguel, nos Açores, marcou a segunda metade do século XX por ser carismática e combativa, por não ter medo de assumir posições que abalaram preconceitos enraizados e desafiaram as convenções.
Natália Correia nasceu nos Açores em 1923, aos 11 anos vai viver para Lisboa. Foi jornalista na Rádio Clube Português e colaborou no jornal Sol. Activista política: apoiou a candidatura de Humberto Delgado; assumiu publicamente divergências com o Estado Novo e foi condenada a prisão com pena suspensa em 1966, pela "Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica".
Foi publicado pela editora francesa Poisson volant o livro "O Vestíbulo do Impossível" sobre o género, a literatura e a política na vida ena obra da poetisa portuguesa Natália Correia. O título do livro inspira-se numa estrofe do poema "A defesa do Poeta", no qual Natália Correia escreve:"Sou um vestíbulo do impossível um lápis de armazenado espanto e por fim com a paciência dos versos espero viver dentro de mim".
A escritora Natália Guerellus percorre a obra de Natália Correia e levanta a questão: o que significa escrever num regime autoritário? "Natália Correia foi a escritora mais censurada do regime salazarista. Ela não só escreve sob o regime autoritário, mas não deixa de escrever como muitos outros autores e autoras vão fazer. Ela dialoga, reage e tenta subverter essa censura e a perseguição. É uma resistente", descreve a autora brasileira.
Há três preocupações que vão acompanhar Natália Correia ao longo da vida, o género, a literatura e a política. "Esta foi uma das formas que ela encontrou para confrontar a ditadura. Talvez tenha sido a forma mais utilizada por Natália Correia até aos anos 70, através das provocações em torno das questões de género. Não só no que diz respeito à mulher, como à sexualidade e ao erotismo. São temas que vão tocar outras correntes como o surrealismo", explica.
A escritora lembra que Natália Correia foi uma pioneira na literatura feminina pelo facto de abrir "caminhos para a literatura feminina em Portugal, principalmente no contexto político fechado". "A Natália Correia é um objecto infinito e este trabalho foi um pontapé para que se interessem nela no contexto francês. Não é um trabalho exaustivo, pelo contrário dá uma ideia do que [ainda] pode ser feito. A literatura dela é prolífera, o que pode ser feito e estudado sobre a escrita e a vida de Natália Correia é infinito", acrescenta Natália Guerellus.
A Natália Correia é lembrada como uma figura polémica. "Existe um momento na transição da ditadura para a democracia em que ela se engaja politicamente e passa a ter uma presença dentro da Assembleia, mas também foi criticada pela extrema-esquerda, tornando-se uma figura ambígua e foi esquecida. Volta a ser lembrada no século XXI, o espólio dela vai para os Açores e ainda há muito por se dizer sobre a Natália Correia. Ela deixou um marco na história de Portugal, deixou a luta pela liberdade, que é uma marca da escrita dela", concluiu.